“O nosso principal amplificador é a ideia, é a criatividade, em vez da força do GRP”
O ativismo na comunicação, o risco de jogar pelo seguro ou a publicidade em Portugal, em entrevista a Mónica Sousa, diretora de marketing da Ikea, Melhor Anunciante e Grande Prémio no Festival CCP.

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A Ikea repetiu o feito de 2024 e com a “Ikea HiddenTags”, da Uzina, venceu o Grande Prémio do Festival CCP. A este, acrescentou o troféu Melhor Anunciante do Ano e o Grande Prémio Jornalistas. “Sei que para muitas pessoas, que estão no meu papel de diretor de marketing, nem sempre é fácil. Eu não tenho um board a controlar tudo o que estamos a fazer. Há espaço que para criar e é valorizada a criatividade. Isso é muito importante“, comenta Mónica Sousa, country marketing manager da Ikea, marca que em 2024 se tornou notícia com a “Estante boa para guardar livros ou 75.800€”.
Nesse caso, admite, “foi ali na fronteira do risco”. Mas o certo é que venderam mais estantes, ainda mais relevante, “comprou tempo de antena dos clientes”. “Os clientes, a partir da estante, ficaram mais ligados a ver o que estamos a fazer. O que é que estes agora vão inventar?”, diz.
A violência doméstica ou a questão LGBTQIA+ são também questões que trabalham. Esta última é onde o ativismo se torna mais difícil. “A quantidade de ódio que recebemos nas nossas redes, a quantidade de pessoas que deixam de nos seguir, a quantidade de comentários horrorosos, não há noção“, conta.
Numa companhia onde apostar na criatividade é a regra, Mónica Sousa olha para publicidade que sai para a rua com alguma reserva. “Acho que hoje em dia a nossa publicidade é muito chata, leva-se muito a sério e os clichês estão todos lá. Nós, como não temos um budget muito grande, temos que ser criativos. Temos que furar pela nossa ideia”, argumenta em entrevista.
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Qual é o principal desafio da marca Ikea?
Temos sempre imensos desafios para cumprir. Hoje em dia, aquilo em que estamos muito focados é em fortalecer a perceção de qualidade que as pessoas têm dos nossos móveis. Temos feito um estudo aprofundado para perceber como está a relação dos nossos clientes com a marca. Sentimos que quem é cliente confia, já conhece a nossa gama de produtos e tem confiança na sua qualidade. Mas aquilo que sentimos é que há alguma barreira de perceção que queremos mesmo deitar abaixo. Queremos mesmo que as pessoas percebam que os nossos móveis são feitos para durar, para a vida, e para mudar de casa, para ter filhos, para ter um cão, e que os nossos móveis se conseguem ajustar à vida.
Daí a campanha, que foi Grande Prémio no Festival CCP, das etiquetas escondidas? Pediram aos clientes para procurar, nas etiquetas, o ano de fabrico do móvel.
Exatamente. No ano passado, quando fizemos 20 anos, fomos à procura do móvel mais antigo em Portugal. Explicamos às pessoas que todos os nossos produtos vêm com uma etiqueta, descobrimos que muitas vezes não a tiram, como não estão em zonas visíveis, continuam nos móveis. E estas histórias vieram mesmo comprovar a durabilidade.
Tiveram quantas respostas? Cerca de quatro mil?
Foram 4.500. Incrível. Foi engraçado, porque as pessoas têm os móveis há muito mais tempo do que achavam que tinham. Às vezes compram com a ideia só de desenrascar qualquer coisa lá em casa, alguma coisa que não está bem resolvida. Mas depois os móveis começam na sala, vão parar ao quarto de um dos filhos, vão depois mais tarde parar a outra área da casa, e estão lá há muito mais tempo. Encontrámos uma mesa maravilhosa, daquele design escandinavo, de 1970.
Não há insight maior da vida em casa do que isto, a relação acabar e o móvel continuar. Achámos que fazia todo o sentido e, mais uma vez, reforça o tema da durabilidade.
Bem antes de a Ikea chegar a Portugal.
Sim, é espetacular. São estas histórias de durabilidade que queremos mostrar aos nossos clientes. E acreditamos que não há nada mais forte do que serem os clientes a falar sobre a durabilidade, e não nós.
É assim que surge a assinatura “A vida acontece em casa”, que lançaram em abril.
Agora com os 20 anos fizemos um trabalho muito intenso de perceção, fomos perceber mesmo como é que estava a perceção da marca em Portugal. E, depois, não achámos melhor do que ir reler as tais 4.500 histórias, para ver se havia alguns insights comuns. E encontramos este das relações, as relações terminaram e os móveis ainda continuavam lá em casa.

Foi frequente?
Foi, foram muitas histórias que tinham muito isto em comum. Não há insight maior da vida em casa do que isto, a relação acabar e o móvel continuar. Achámos que fazia todo o sentido e, mais uma vez, reforça o tema da durabilidade.
E é sempre isto que tentamos fazer, procurar um ângulo mais inesperado para brincar com a realidade. Ao expormos e trazermos o tema da durabilidade para cima da mesa, é mesmo mostrar que estamos muito bem a falar deste tema, que temos total confiança na nossa gama de produtos.
Existe muito a ideia que são produtos com design, mas que duram pouco?
Temos uma coisa que é muito difícil de explicar, ainda hoje não conseguimos a 100%. Todos os nossos móveis são desenhados por nós e cumprimos uma lógica que é o ‘design democrático’, que tem que cumprir as cinco dimensões: tem que ser de qualidade, tem que ser funcional, tem que ser sustentável, tem que ter um bom preço, que é a primeira coisa, e tem que ter design.
Mas aquilo que sentimos é heurística comum, não é? Se é barato, não deve ter qualidade. É difícil vencer uma perceção destas. Por isso é que estamos sempre a batalhar para acrescentar valor aos nossos produtos.
Aquilo que sentimos é heurística comum, não é? Se é barato, não deve ter qualidade. É difícil vencer uma perceção destas.
Entretanto lançaram uma coleção de roupa, uma edição limitada. Como surge esta ideia?
Acima de tudo, o queremos trazer é este tema da vitalidade. E sabemos que as pessoas hoje em dia são fãs. Chega a uma certa fase em que as pessoas começam a gostar tanto da marca, que a querem passar a vestir. E temos coisas lindas. Tentamos trazer exatamente aquilo que nós somos, que é uma coisa divertida, alegre, vibrante — é aquilo que temos tentado fazer também na comunicação — e achamos espetacular que os nossos clientes também gostem de “vestir a camisola”.
Como está a correr?
Tem corrido bastante bem. Estávamos com algum receio, é um bocadinho diferente, não é? Vimos a loucura que foi quando chegou o Lidl com aquela coisa toda, com aquele barulho…
Os ténis, já há uns anos.
Achámos logo uma ideia muito engraçada, já estava a haver desenvolvimento de gama — demora muito tempo entre o desenvolvimento de gama até chegar à loja. Mas achámos que era uma maneira engraçada de celebrar aquilo que queremos ser, uma marca mais divertida e mais jovem, e achamos que há mesmo um espaço para o fazer.
Temos total liberdade para dar a nossa opinião, desde que internamente já estejamos a fazer alguma coisa por isso. Todos os temas pelos quais trabalhamos e externamente somos bastante ativistas, são temas que internamente já estão a ser trabalhados.
A Ikea tem também uma característica, que em Portugal não é muito frequente, que é uma espécie de ativismo social na comunicação. Como é que se tomam estas decisões? Como escolhem as causas e os alertas que querem deixar?
O nosso fundador, Ingvar Kamprad, tinha uma série de ideias muito bonitas desde a origem da marca. Tudo o que estamos a fazer hoje em dia, foi o que ele pensou há 70 tal anos. E uma das coisas que dizia é para sermos rebeldes, mas com uma causa. Ou seja, temos total liberdade para dar a nossa opinião, desde que internamente já estejamos a fazer alguma coisa por isso. Todos os temas pelos quais trabalhamos e externamente somos bastante ativistas, são temas que internamente já estão a ser trabalhados. O tema da violência doméstica é uma coisa que levamos muito a sério, temos um projeto interno sobre este tema, para apoiar colegas que estejam a passar por uma situação destas.
O tema LGBTQIA+, internamente celebramos a diversidade. Acreditamos mesmo que é nesta diversidade que conseguimos ser mais representativos do que se passa lá fora.
E depois temos o tema da habitação, da dificuldade de encontrar casas, e por isso encontramos soluções internamente para ajudar a remodelar casas. Acreditamos mesmo que toda a gente tem direito a ter uma habitação bonita e em que se sinta confortável e seguro.
Temos estado muito neste território LGBTQIA+, em que temos trazido os nossos colaboradores até a dar a cara. São super corajosos e sempre com muita vontade de participar.
As campanhas são locais?
É tudo local. A campanha mais recente que fizemos contra a violência doméstica, acho que foi das mais espetaculares, que mais nos orgulhou internamente. Em parceria com a CIG, criámos um fundo de autonomização para mulheres que queriam sair das relações tóxicas em que estavam, mas aquilo que também fizemos foi, com a nossa linha de atendimento, criar uma linha especial para vítimas de violência doméstica.
Em 2024 receberam cerca de 400 chamadas, é assim?
Exatamente, é incrível. Agora o que temos feito é promover cada vez mais essa linha.
Sabemos que muitas vezes a casa, que devia ser o lugar mais seguro, é onde há a maior parte destes crimes. E aquilo que muitas vezes acontece é aquelas desculpas de cair das escadas, chocar contra um móvel, e a Ikea não quer ser cúmplice nesse tipo de coisas. Queremos ser vocais neste tema.
Agora, o que é que sentimos? Sobretudo o tema da LGBTQIA+, é um tema muito difícil, é muito difícil sermos ativistas aí. A quantidade de ódio que recebemos nas nossas redes, a quantidade de pessoas que deixam de nos seguir, a quantidade de comentários horrorosos, não há noção.
O espetacular é que em vez de nos parar, só nos faz ser ainda mais comprometidos com o tema. Mas é impressionante a quantidade de pessoas que fazem unfollow à nossa página.
Sobretudo o tema da LGBTQIA+, é um tema muito difícil, é muito difícil sermos ativistas aí. A quantidade de ódio que recebemos nas nossas redes, a quantidade de pessoas que deixam de nos seguir, a quantidade de comentários horrorosos, não há noção.
Consegue dar uma ordem de grandeza?
É inacreditável. Eu diria que, na última vez, acho que tivemos um unfollow de cinco mil followers, é muita gente. E os comentários, em 300, 100 são super negativos. É impressionante. Mas isso só nos faz manter-nos fiéis. Se isto acontece, é porque ainda é um tema. Sentimos mesmo que está tudo por fazer.
Em simultâneo, fazem bastante publicidade contextual. Desde a mudança de logótipo da República Portuguesa a um temporal. Como é gerida esta comunicação?
Acho que há diferentes interpretações do que é que pode ser o real-time, estive a ver até numa destas recentes Entrevista +M. Não concordo que seja para aparecermos, acho que é uma boa forma de mostrar aos nossos clientes a nossa personalidade.
Aquilo que sabemos, e que vemos cada vez mais, é que as pessoas querem marcas que tenham opinião e que se divirtam. O mundo está tão cinzento e tão sério, que se nós nos levarmos muito a sério, então é uma chatice.
Acho que as marcas têm que ser cada vez mais uma marca de entretenimento, também. E se vires que a marca reage com graça ao que está a acontecer, mesmo que às vezes seja porque nos levaram o A da fachada. Já é tudo tão difícil, se a marca também for tão séria, acho que as pessoas deixam de se querer relacionar. E nós não somos uma marca do dia-a-dia, ou seja, o cliente vai lá três, quatro vezes por ano. Portanto, é uma forma de continuarmos presentes na vida das pessoas.
Se através de uma piada ou de uma graça voltares a conectar-te com a marca, é uma ótima oportunidade para pensar “olha, porque é que eu não vou à Ikea mais uma vez?”. Ou seja, é brincar com temas sobre os quais toda a gente está a falar e nós fazemos parte da conversa.
As pessoas querem marcas que tenham opinião e que se divirtam. Acho que o mundo está tão cinzento e tão sério, que se nós nos levarmos muito a sério, então é uma chatice.
Em 2024 lançaram a “Estante boa para guardar livros ou 75.800€”, que também foi Grande Prémio no CCP e Ouro nos Prémios à Eficácia, e provocou uma reação em cadeia de várias marcas. Como surgiu esta ideia? O outdoor fazia parte de uma campanha.
Exato, com outras criatividades. Nesse ano tivemos a oportunidade de fazer o maior investimento sempre para baixar os preços da Ikea. E estávamos com uma campanha super promocional, mas estava toda a gente a comunicar a mesma coisa.
Preço baixo.
Sim. Depois da recessão, a primeira coisa que todas as marcas querem fazer é baixar preço. Não estávamos a conseguir trazer visitação, a gerar conversa. Então, lançámos o desafio à Uzina. O contexto é eleições, é do que se fala nos cafés, é do que se está a falar em todo lado.
O desafio foi lançado por vocês?
Foi. Dissemos, porque não brincar com este tema das eleições? Sendo que nunca pode ser em tom político, não nos podemos meter em política, nem queremos, mas é brincar com o contexto. A Uzina apresentou-nos imensas propostas, mas depois havia aquela em que se sente logo os arrepios…
Sentiram?
Era impossível não sentir. Pensámos logo “esta vai fazer mexer”. Como não queríamos mesmo que achassem que era uma coisa política ou contra algum partido em específico, tentámos criar um contexto.
Ou seja, começámos com dois mupis, um bocadinho diferentes, mais calminhos. Piscamos o olho a todos os partidos, que era para ser uma coisa tranquila, de contexto político e tal. E depois, na segunda semana, íamos lançar os dois mupis… Lembro-me de estar nessa manhã a pensar que se calhar as pessoas estavam tão ocupadas no seu dia-a-dia que nem iam dar conta. Às 8h30 começou a tocar o telefone e durante duas semanas foi uma loucura, a sério. Estávamos ali numa zona de equilíbrio. Estávamos super entusiasmados a ver a loucura, o hype a subir. Cada vez que íamos ao X, ex Twitter, só víamos a subir o tema. E, por outro lado, estávamos preocupados, porque começámos a sentir que estava tudo a ir muito por uma conotação política e é tudo o que não queremos.
Até queixas na Comissão Nacional de Eleições tiveram.
Foi. Felizmente, acho que perceberam a intenção, que não era de todo metermo-nos no tema das eleições. Foi uma ocasião, foi o real-time. E achámos que era inteligente, era uma piada interessante, de contexto, e que toda a gente ia perceber. Uma das nossas regras é a simplicidade. E achámos que foi spot on. Foram tempos difíceis de gerir.
E venderam mais estantes…
Vendemos mais estantes. Acima de tudo, o que fizemos foi mostrar um lado mais divertido da marca. Apesar de sermos uma marca sueca, estamos há 20 anos em Portugal, já conhecemos bem o que os portugueses gostam, temos as mesmas dores dos nossos clientes e podemos rir-nos das mesmas coisas.
São uma multinacional. Como é que a “Estante” foi interpretada internacionalmente?
Temos o nosso território super bem definido. As palavras-chave que nos guiam, da simplicidade, da diversão, de sermos uma marca rebelde. Cada vez mais o que é pedido a todos os países, é que arrisquem.
Claro que, se calhar, desta vez, o nosso ponteiro foi para lá, foi ali na fronteira do risco. Sabíamos que estávamos a arriscar um bocadinho mais, mas também achamos que se a marca jogar sempre pelo seguro, não tem graça. Acho que temos que brincar. Aquilo que sentimos é que isso comprou tempo de antena dos clientes. Os clientes, a partir da estante, ficaram mais ligados a ver o que estamos a fazer. O que é que estes agora vão inventar?
Apesar de sermos uma marca sueca, estamos há 20 anos em Portugal, já conhecemos bem o que os portugueses gostam, temos as mesmas dores dos nossos clientes e podemos nos rir das mesmas coisas.
A rubrica Primeira Pessoa foi inaugurada consigo, há pouco mais de um ano. À pergunta, “em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar” a resposta é sem dúvida arriscar?
Sem dúvida. É um risco enorme jogar pelo seguro. O Peter Field tem aquele estudo espetacular, o “Cost of being dull”. Acho que hoje em dia a nossa publicidade é muito chata, leva-se muito a sério e os clichês estão todos lá. Nós, como não temos um budget muito grande, temos que ser criativos. Temos que furar pela nossa ideia. Depois, obviamente, com uma super agência por trás, de media, a dar o boost nas nossas coisas.
Mas acho que vencemos muito pela criatividade. E a atitude Ikea é exatamente esta, a criatividade falar por nós. E haver espaço para o risco, para a rebeldia, para o ativismo. Porque acreditamos mesmo que a casa também é lugar para isto tudo, não é para ser um sítio chato e quieto.
Dizia que o vosso budget não é muito alto. Qual a ordem de grandeza?
Não posso dar números. O que é que posso dizer? É quase o equivalente a uma campanha das top marcas do país. É muito bem usado. Aquilo que nós fazemos muito é ter sempre boas ideias. O nosso principal amplificador é a ideia, é a criatividade, em vez da força do GRP.
Pode assistir à entrevista completa, com estes e outro temas, aqui:
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