O reitor da Universidade de Coimbra considera que o PRR veio introduzir uma nova camada de burocracia e explica que foi graças à equipa dedicada que criou que consegue executar a totalidade da bazuca.
“Portugal deve aproveitar bem” o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “E aproveitar bem não é gastar dinheiro, é investir”, alerta o reitor da Universidade de Coimbra. Em entrevista ao ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, Amílcar Falcão diz não ter “dúvidas nenhumas” de que “uma parte importante [do PRR] vai ser gasto, não vai ser investido”.
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A principal área de preocupação é a associada às infraestruturas, porque os preços subiram muito, demasiado. “Acho que há aqui alguma especulação no meio e um aproveitamento da situação que não é muito dignificante para o país e para quem o faz“, afirma. Por isso, o responsável considera que deveria haver outras opções. A aposta na compra de equipamento científico para as universidades é aplaudida pelo reitor que, no entanto, considera os 110 milhões de euros manifestamente pouco para as necessidades. Só a Universidade de Coimbra tinha uma lista de 50 milhões.
Amílcar Falcão revela que três das 19 agendas do PRR, onde a Universidade de Coimbra participa, pediram uma revisão em alta dos objetivos. Só o consórcio liderado pela Blue Pharma pediu mais três milhões de euros. A instituição de ensino superior espera vir a executar 100 milhões de euros no PRR, entre agendas mobilizadoras e outros projetos que obtiveram financiamento da bazuca. Confiante no seu ritmo de execução (70%), Amílcar Falcão não acredita que Bruxelas flexibilize os prazos de execução, porque é preciso dinheiro para a Defesa e está certo que até 2026 haverá uma nova reprogramação da bazuca.
Quanto ao Portugal 2030, o reitor confessa estar preocupado com o ritmo de execução e critica a rigidez da nova metodologia de custos simplificados.
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No âmbito da reprogramação das agendas mobilizadoras, pediram uma revisão em alta das vossas agendas. Quais são e de que revisão está a falar?
No nosso caso, são três das 19 em que estamos. A principal tem a ver com a área da saúde. Aliás, têm todas a ver com a área da saúde, mas a principal é um aumento pedido na ordem dos três milhões de euros. É com a Blue Pharma, que é uma empresa, enfim, sediada em Coimbra, farmacêutica, onde houve evoluções muito positivas nestes últimos dois anos, com patentes. Agora há a necessidade de fazer prova de conceito. A reprogramação pedida foi nesse sentido. Estamos a aguardar o resultado, mas os indicadores que temos é que, em princípio, será dado esse reforço. Vamos ter mais uns quatro ou cinco milhões de euros a juntar aos 45, ficaremos com cerca de 50 milhões de euros nas agendas. Neste momento é fundamental, até porque a execução da Universidade de Coimbra é bastante superior à média do país — já ultrapassámos 70%. Vamos executar 100%, seguramente. Nos outros projetos de PRR, tirando as agendas, temos um valor global a rondar os cem milhões de euros, a nossa execução anda nos 92%. Portanto, somos bons executores.
Qual a dica que dá a quem não é bom executor?
Tomei a decisão internamente na universidade, quando olhei para o PRR e quando vi o que estava em causa, de criar uma divisão autónoma para a relação com empresas e para a execução do PRR. Contratei pessoas. Isso deu um impulso enorme à nossa execução.
Porque as pessoas estão 100% focadas?
Estão focadas naquilo. Temos a nossa divisão de execução de projetos, científicos em geral, de investigação, e essas pessoas têm projetos da FCT, da ANI, da Fundação Gulbenkian, do La Caixa, projetos europeus. Todos estes projetos têm as suas regras, que não são iguais. E é preciso dominar as regras. Um dos grandes problemas da execução do PRR a nível nacional e europeu – embora não sejamos a ovelha negra a esse nível — foi a introdução de mais uma camada de burocracia com o PRR. E pior, temos muitos casos, em que o início de execução dos projetos foi no princípio de 2021 ou até de 2022, e só começámos a conhecer as regras em meados de 2022 ou de 2023. Ou seja, houve alteração das regras de jogo a meio. Foi, por exemplo, o caso dos impulsos, da capacitação, que foi para o ensino superior. Houve uma série de alterações, de ajustamentos necessários que eram de tal forma aleatórios e que tinham tantas implicações na execução que se não tivesse uma equipa dedicada só àquilo, era o caos. O nosso segredo de alta execução — e que ainda espero que consigamos ir buscar mais dinheiro do que resta, porque acho que alguns não vão conseguir executar — foi termos formado uma equipa de executores só para o PRR. Isso, de facto, deu-nos uma tranquilidade grande porque eles, desde o início, estão só a trabalhar naquela tipologia.
Quando eu entendo que não tenho capacidade para fazer, aviso a unidade de gestão e digo: ‘não vamos conseguir executar’. Mas aviso com tempo, porque o dinheiro não se deve perder. Se alguém não consegue executar, acho que em tempo útil deve dizê-lo. Se há alguém que possa, ótimo. Até porque este dinheiro tem custos. O PRR não é dado, as máquinas não criaram dinheiro, portanto não fizeram notas. Portugal deve aproveitar, mas deve aproveitar bem. E aproveitar bem não é gastar dinheiro, é investir.
O nosso segredo de alta execução — e que ainda espero que consigamos ir buscar mais dinheiro do que resta, porque acho que alguns não vão conseguir executar — foi termos formado uma equipa de executores só, só, só para a PRR.
Corremos esse risco? A pressão na execução, sobretudo politicamente, vai acabar por determinar que parte dos 22,2 mil milhões sejam gastos e não investidos?
Uma parte importante vai ser gasto, não vai ser investido. Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso.
Quais são as áreas mais críticas?
Tudo o que envolva infraestruturas. Tudo o que aconteceu ao nível das obras foi absolutamente surreal. O pacote financeiro para as cinco residências da Universidade de Coimbra era de cerca de 11 milhões de euros. Mas em concursos públicos já metemos 18 milhões porque, se não o tivéssemos feito, nunca iríamos executar obra. Não sei se nos vão ser dados pelo PRR este gap de sete milhões de euros. Acho que era justo. Mas sejam dados ou não, a Universidade investirá sempre e acabará a obra. Na minha ótica, por mais que me queiram convencer da mão de obra e da guerra e dos materiais e tudo isso, acho que há aqui alguma especulação no meio e um aproveitamento da situação que não é muito dignificante para o país e para quem o faz.
Mas não é a lei da oferta e da procura a funcionar?
Se quiser, mas deveríamos ter tido outro tipo de opções, não é? Por exemplo, ainda agora o Governo colocou 110 milhões de euros para equipamento científico para as instituições de ensino superior.
No âmbito da reprogramação do PRR.
Exatamente. Ora, equipamento científico é uma coisa muito fácil de adquirir. Enfim demora meses, mas não tem os mesmos constrangimentos que uma obra, como é óbvio. Só a Universidade de Coimbra tinha uma lista de quase 50 milhões de euros para equipamento científico. Portanto, aquilo acabou por ser dividido. E nós ficámos com seis ou sete milhões.
A opção deveria ter sido essa? Quer na reprogramação ou logo na definição do PRR inicial, a aposta deveria ter sido nos equipamentos em detrimento da obra física?
Acho que sim, por uma razão simples: não podemos isolar o PRR dos fundos estruturais que fomos recebendo ao longo de vários quadros comunitários. No QREN, basicamente, era só obras. Abriram-se edifícios por todo o lado. Depois deram-se conta que tínhamos os espaços, mas não tínhamos nada para pôr lá dentro. E depois, no Portugal 2020 o que fizeram foi uma coisa, na minha ótica, ridícula, que foi passar do oito para o 80. Ou seja, nunca mais houve direito a financiar obras. Só se podia financiar pessoas. Mas as pessoas têm de trabalhar com equipamentos. E a última vez que tivemos um investimento sério do Estado em equipamentos foi há dez anos. Ora, os equipamentos de investigação científica tornam-se obsoletos em dez anos. Esta tinha sido uma oportunidade única, que ainda pode ser, de fazermos reequipamento científico. O reequipamento científico é algo que nos pode colocar sempre na vanguarda do conhecimento.

Acredita que vai haver mais outra reprogramação do PRR até a 2026?
Acho que sim. Vai chegar uma altura em que se vai perceber que não vamos executar aquilo que gostaríamos de executar. Pessoalmente, já disse ao Sr. Ministro da Educação, Ciência e Inovação, ao professor Fernando Alexandre, que os 110 milhões que foram colocados em equipamento científico são manifestamente curtos. O Governo poderia ter colocado 300 a 400 milhões, que as instituições absorviam facilmente.
Acredita que Bruxelas não vai demonstrar qualquer tipo de flexibilidade em termos de prazos para a execução do PRR?
Acho que não. Houve tempos que pensei que sim. Agora acho que não. Por uma razão simples, com esta situação criada…
É preciso dinheiro para a Defesa.
Exatamente. E, portanto, acredito que não vai haver… Muito, provavelmente, vão desviar eventuais sobras do PRR para a defesa. Portanto, não vejo que vão dar mais tempo, porque a defesa é agora um caso muito urgente. E o dinheiro para a defesa, enfim, tem de vir de algum lado. As não execuções de PRR transitarão, diretamente, para a defesa.
Quanto ao Portugal 2030, a Universidade de Coimbra também já tem vários projetos candidatos. A possibilidade de as grandes empresas que trabalham na área do cleantech, de biotech ou do digital, agora também serem elegíveis, após a reprogramação, pode ser mais uma oportunidade para haver este casamento entre universidades e empresas?
Isso seguramente, agora onde tenho dúvidas é na forma como se executa o PT2030.
Está preocupado com o ritmo de execução do PT2030?
Estou preocupado, porque as regras mudaram, supostamente para simplificar. Em lugar de se terem rubricas nos projetos, basicamente tem-se um valor global e é pago em salários, vamos pôr assim, valor por pessoa, isto tem…
Está a falar dos custos simplificados?
Não estava a querer usar a linguagem técnica. Mas os custos simplificados trazem um problema associado. Nas nossas empresas, quando são pequenas, e uma parte substancial são pequenas, para fazer um projeto pesado, que envolve a compra de um equipamento de um milhão de euros… não conseguem. A empresa terá de se endividar para comprar o equipamento para depois, ao longo de vários anos, através dos custos simplificados, pagar esse equipamento. É um erro esse tipo de abordagem. Consoante os projetos, deveríamos ter custos simplificados, mas eventualmente permitir que houvesse outro tipo de rubricas adaptados ao projeto. Se preciso de um equipamento, esse equipamento não deveria ser pago com custos simplificados, deveria ser um custo autónomo e quem diz equipamentos diz outras coisas. Estou a falar de equipamentos, mas podemos estar a falar de prototipagem, de internacionalização… Há várias áreas onde o PT2030, na minha ótica, deveria ter uma maior flexibilidade, maior rapidez. Os custos simplificados aparecem com queixas associadas à burocracia. Mas depois, às vezes, vamos para tanta simplificação, que é tão simples, tão simples, tão simples, que depois não serve todos os casos. Era aconselhável um equilíbrio. Mas ainda temos tempo, como sabe, o P2030 está com uma sub-execução enorme.
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“Uma parte importante do PRR vai ser gasta, não investida”
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