Reformar ou eliminar? O futuro dos megaprocessos

Acabar com os megaprocessos ou reduzi-los são as melhores soluções apontadas pelos advogados para acabar com a morosidade da justiça e acelerar processos como a Operação Marquês ou o caso BES.

A morosidade da justiça portuguesa é um dos principais problemas do sistema judicial, afetando a confiança dos cidadãos na capacidade do Estado garantir um julgamento célere e eficaz. E nos megaprocessos, como Operação Marquês ou caso BES, essa morosidade é ainda maior. Em média, até trânsito em julgado, sem possibilidade de recurso, duram oito anos, aponta um estudo recente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Como combater essa lentidão da justiça? Acabar com os megaprocessos ou reduzir o seu número, dizem os advogados.

O que é possível, e aliás é determinante fazer, é não fazer mega processos, é acabar com eles ou pelo menos reduzi-los aos casos em que é mesmo impossível fazer de outra maneira, aponta Rui Patrício, sócio da Morais Leitão. Para o advogado é preciso “atacar” a origem dos problemas e todas as outras medidas são só “paliativas”, algumas são até “erradas” ou “muito perniciosas” subvertendo o processo penal, acabando por “contaminar todo o sistema de justiça”.

“Causa-me a maior perplexidade, e o maior desgosto, a discussão sobre os processos penais em Portugal estar dominada por este tema, quando diz respeito a uma dúzia de processos, duas dúzias se tanto, quando temos milhares de processos e problemas reais, sérios e muito transversais que não respeitam a este pequeno grupo de processos mediáticos e sexy que ocupam a novela judiciária, noticiosa e política”, atira. Portugal está refém do “noticiário-entretenimento” e da luta política em volta de uma dúzia de processos, em especial em redor de um único processo, a Operação Marquês, lamenta.

Também Rui Costa Pereira acredita que, ao invés de se concentrar as atenções em acelerar os megaprocessos, o necessário seria pensar em medidas para reduzir ao máximo possível a sua existência, focando na aceleração de todos os processos. “Evitar os megaprocessos — que, nalguns casos, podem mesmo ser apelidados de ‘monstros processuais’, em tudo o que a monstruosidade tem de negativo — seria, sem dúvida, um bom caminho para termos uma justiça penal mais célere”, defende o associado coordenador da MFA Legal.

Rui Costa Pereira sugere mesmo a ponderação da viabilidade de uma alteração legislativa que fixe consequências processuais, além das já consagradas, para a ultrapassagem dos prazos de duração máxima do inquérito, em concreto, “o estabelecimento da caducidade do exercício da ação penal, medida que, porventura, se deveria equilibrar por via da ampliação dos prazos atualmente legalmente consagrados”.

A reação às propostas dos juízes

Limitar a instrução ao debate instrutório e respetiva decisão, permitir o recurso a inteligência artificial para elaborar acórdãos, criar o assessor virtual para juízes ou até aplicar taxas de justiça mais altas para os megaprocessos foram algumas das principais propostas do grupo de trabalho “Megaprocessos e processo penal: carta para a celeridade e melhor justiça”. Mas as conclusões geraram um misto de reações por parte do setor, com críticas ao relatório.

Rui Patrício faz uma avaliação global positiva da maior parte das propostas, especialmente no que concerne às questões tecnológicas, à assessoria dos magistrados e ao modo de organização dos processos, ainda assim aponta aspetos que não vê com bons olhos. “Refiro-me às questões da instrução, uma moda quase tão rápida a conquistar mercado como a mini saia, dos recursos, dos prazos, ou mesmo a coisas que parecem miudezas em termos de garantia, mas que não são, como contar, ou não, os prazos de defesa a contar do último notificado”, nota.

O sócio da Morais Leitão alerta ainda que no relatório são apresentadas muitas medidas como “soluções inovadoras”, mas que na realidade já existem, como os poderes de disciplina processual e da audiência em particular ou o sancionamento da prevaricação dilatória. “O grupo de trabalho tem, como não poderia deixar de ter, uma visão que espelha a sua composição ‘desequilibrada’, pois só tem juízes e um procurador, quando há outros atores, igualmente relevantes, no sistema de justiça, a começar pelos advogados”, crítica, considerando “flagrante” e “lamentável” esquecimento da advocacia.

Rui Costa Pereira avaliou o relatório com “desconfiança” e “descrença”, considerando igualmente que existiu uma “natural parcialidade” e “enviesamento”, não só por contar só com contributos de juízes, como também por partir de uma realidade muito particular e “isolada”: os megaprocessos. “Descrédito que seria também evitado se o trabalho não tivesse partido — como ostensivamente partiu — da análise de um ou outro processo mediático, com a agravante de não o assumir expressamente. Tenho sérias dúvidas da legitimidade de se preconizarem alterações estruturais do processo penal por causa de vicissitudes verificadas num ou dois processos”, refere.

Algumas propostas poderão comprometer o respeito pelo princípio da separação de poderes, quando, por exemplo, se prevê a atribuição de competências ao juiz que são acometidas pela Constituição ao legislador, alerta o advogado. “Não deixa de ser irónico que um projeto que visa pensar sobre uma maior celeridade dos megaprocessos, não se dedique sequer à respetiva génese e à fase de inquérito, que tem um foco praticamente inexistente”, conclui.

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